Papéis políticos
O desencanto dos portugueses na política é algo que não é de novo. Contudo, parece ter vindo a agudizar-se. Sendo que existem vários factores que contribuem para esta situação, não posso deixar de apontar o dedo para muitas das práticas políticas existentes na nossa praça.
A campanha eleitoral mais parece um concurso de boas intenções em que, mais importante do que as propostas concretas que se tenham a apresentar, é a criação de uma série de frases feitas que tentam não comprometer os candidatos com nenhuma acção em particular. Essas frases quanto mais ambíguas melhor, dado que, assim, se agrada a gregos e troianos, tomando todos por amigos. É a tentativa de passar uma imagem de acção, mas, na prática, com conteúdo o mais neutro possível para não gerar anticorpos.
É claro que é inevitável a apresentação de algumas propostas concretas, mas, sempre, como uma espécie de serviços mínimos, só para não perder por falta de comparência. O mais importante é anunciar obras com impacto, grandes acontecimentos, mesmo que não se tenha a mínima intenção de cumprir com as promessas.
Um exemplo claro do que digo é interpretado pelo nosso Primeiro-Ministro. Das promessas eleitorais do candidato José Sócrates, há muito que o Primeiro-Ministro José Sócrates se esqueceu, dando um ar de naturalidade a todas as quebras de promessas, discursos de retórica, jogos de bastidores…
O poder local com que somos brindados sofre, infelizmente, dos mesmos males. Foi criada a personagem do Presidente de Câmara que é subserviente às intenções do governo. Vou dar o nome de “Presidente Bom Companheiro” a esta personagem. Se é do mesmo partido do Governo, tenta dar algum ar de desagrado perante medidas centrais que não favoreçam o seu concelho. Mas, qual peça de teatro, no segundo acto, após uma reunião – supostamente tensa – com o poder central, tudo muda e as medidas são anunciadas como uma nova vida para o concelho. Se o Presidente de Câmara é de partido diferente do que se encontra representado no governo, no primeiro acto, a cena do desagrado é interpretada com mais intensidade. Existe, também, no segundo acto uma alteração: o resultado da reunião aparece como sendo um mal menor, não existindo outra alternativa que não aceitar a última versão proposta. Esta personagem, actualmente, encontra-se muito em voga, sendo interpretada por vários eleitos locais com destaque no nosso distrito.
Um exemplo prático da aplicação da personagem que acima descrevi teve lugar na última visita que Correia de Campos, esse zeloso ministro da economia da saúde, fez ao nosso distrito. Correia de Campos veio a Aveiro, mas não trouxe coisa boa!... Na mala carregava protocolos para o fecho nocturno das urgências de Ovar e Estarreja e o protocolo para a desqualificação da urgência de Oliveira de Azeméis. No fundo, a realização prática da estratégia que este Governo tem para o Serviço Nacional de Saúde, que nos coloca doentes a todos! E foi ver os Presidentes de Câmara de Estarreja e Oliveira de Azeméis a desempenharem o papel do “Presidente Bom Companheiro”, versão descontente. Assinaram o que Correia de Campos lhes apresentou, mesmo sabendo que os seus munícipes o rejeitaram publicamente, e anunciaram esta capitulação como “Poderia ser pior se não assinássemos o acordo”. Claro que, para a fotografia, tiveram de enviar alguns recados para “o poder central”, mas nada que fosse para levar a sério, tal como o Ministro sabe bem. A actuação acabou com a habitual despedida com abraços e beijinhos…
O Presidente da Câmara de Ovar, por outro lado, interpretou o papel do “Presidente Bom Companheiro”, versão contente. Tudo será melhor para Ovar, uma nova vida, no futuro ninguém se lembrará que foram fechadas as urgências nocturnas… Foi com um final em apoteose que a actuação terminou, com o Ministro a ser efusivamente saudado por todo o executivo.
Uma primeira versão desta personagem foi interpretada por José Mota, Presidente da Câmara de Municipal de Espinho, dando um cunho muito pessoal, com a sua versão de “Presidente Bom Companheiro – desaparecido”. José Mota apareceu muito reivindicativo e, após a tal reunião da praxe, desapareceu e nunca mais se ouviu. Deve ter-se retirado para o Brasil para meditação…
Compreendo o desencanto que existe em relação à política, tendo em conta os tristes exemplos com que somos brindados por estes políticos do sistema… São várias interpretações de uma mesma personagem que tornam medíocre o panorama político. É o esquecer constante que foram eleitos para defender os interesses dos seus munícipes e não uns interesses pessoais, obscuros ou partidários.
Felizmente, nem tudo é cinzento… Existe o Bloco de Esquerda com uma paleta de cores de esperança. A definição clara de quais os adversários em cada momento político é uma das imagens de marca do BE. Uma outra é a defesa obstinada dos interesses de todos nós, colocando-os acima do interesses de apenas alguns. É o chamar pelos nomes aqueles que tudo levam e nada produzem, é o enfrentar, cara a cara, os interesses instalados que nos agrilhoam ao passado.
É com essa certeza que é diferente, para melhor, que reconheço no Bloco de Esquerda o motor dessa transformação que urge na sociedade.
Artigo publicado no Diário de Aveiro de 17 de Agosto de 2007
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