quinta-feira, setembro 06, 2007

E depois de Quioto?

O protocolo de Quioto prepara-se para mais um aniversário em Dezembro próximo. A sua proposta original – a redução, em 5.2 %, da emissão de gases responsáveis pelo aumento do efeito de estufa, tendo como referência o ano de 1990 – tinha como objectivo ser cumprida até 2012, mas ainda muito há para fazer.

São dez as primaveras que o protocolo irá cumprir, mas que representam uma década devastadora do ponto de vista metereológico: a instabilidade atmosférica tem vindo a acentuar-se como podemos ver com o aumento do poder de destruição do fenómeno El Nino, pelo aumento do número de tufões, pelas ondas de calor que em vários anos consecutivos assolaram Portugal e, mais recentemente, pela chuvas diluvianas que atingiram o Reino Unido no passado mês de Julho ou a onda de calor que atingiu o sudeste europeu e preparou terreno para esta onda infernal de incêndios na Grécia. O número de cépticos nas mudanças climáticas, que inicialmente criticavam abertamente o protocolo de Quioto, foi diminuindo drasticamente face à realidade tangível que temos presenciado.

O percurso que foi feito pelos países que ratificaram o protocolo de Quioto é desanimador: grande parte dos principais países desenvolvidos já toma como certo o não cumprimento das metas definidas e procura, agora, no mercado de carbono, a compra de licenças de emissão excessiva a outros países.

A situação vivida por Portugal é extremamente alarmante: os sucessivos governos têm sido incapazes de implementar medidas eficazes para diminuir as emissões existentes – pelo contrário, o aumento é visível. Assim, Portugal terá de ir às compras das licenças de emissão excessiva a outros países, perfilando-se a Rússia como o parceiro preferencial. Aliás, só assim se entende a atitude subserviente que José Sócrates protagonizou na recente visita que fez àquele país, merecendo o achincalhamento dos restantes parceiros europeus. O ditado já é velho – “Se vais ao mar, avia-te em terra” – mas José Sócrates sabe bem que o governo português parte para esta jornada sem se ter preparado previamente.

O custo estimado das licenças que Portugal terá de comprar será de 2 mil milhões de euros. Para se poder perceber o que significa este valor, tomando em linha de conta o custo orçamentado do futuro Hospital Central de Faro (200 milhões de euros), estamos a falar de um montante que daria para a construção de 10 hospitais centrais. Seria como que um europeu da saúde, mas, desta feita, com um benefício social claro e duradouro. É este o custo que todos temos de pagar pela incúria dos nossos governantes que não souberam implementar, no devido tempo, um plano capaz de responder às exigências ambientais urgentes.

Contudo, para além das dificuldades de cumprimento de vários países, uma outra nuvem negra paira sobre o protocolo de Quioto: os Estados Unidos – o principal emissor mundial de CO2 – continuam a recusar a ratificação do protocolo, alegando que esse anuir implicaria uma interferência negativa na economia norte-americana. Sendo que as emissões de carbono não se confinam às fronteiras legais de cada país, é bom de ver que esta acção egocêntrica dos Estados Unidos tem um efeito nefasto para todo o planeta. Assim, para além dos resultados negativos ao nível das alterações climáticas globais é, também, claro, que as empresas dos Estados Unidos, pelo facto de não se sujeitarem às mesmas obrigações ambientais das congéneres europeias, partilham de uma posição vantajosa para a produção de produtos mais baratos. Muito resumidamente, está a Europa a pagar parte da factura ambiental dos Estados Unidos e, ainda, hipotecando parte da sua indústria com esta concorrência desleal.

O protocolo de Quioto encontra-se, actualmente, na sua fase final de implementação, apesar da não ratificação pelos EUA e pela Austrália. Desta forma, perfilando-se as alterações climáticas um dos maiores flagelos que a humanidade terá de enfrentar, já se encontra em discussão, no seio da ONU, as acções que deverão ser tomadas no pós-Quioto e que se pretendem sejam definidas já em Dezembro, em Bali, na Indonésia. Este será o debate que definirá o futuro de todos nós, mas que não pode ser feito levemente: as necessidades de diminuição da emissão de gases com efeitos de estufa passam por uma reestruturação profunda da cadeia energética das sociedades actuais. É, também, um debate a que ninguém pode faltar pois o flagelo é global, e, se para o protocolo de Quioto, foi permitido aos EUA que faltassem à sua ratificação, agora a comunidade internacional deve ser firme na sua posição e não aceitar que a balança continue desnivelada. Todos somos poucos no combate às alterações climáticas por isso nenhum pode faltar.

Existe uma velha máxima que diz que “nós não herdámos a terra de nossos pais, mas pedimo-la emprestada aos nossos netos”. Convém que o lembremos constantemente e que não permitamos que ninguém o esqueça.

Artigo publicado no Diário de Aveiro de 31 de Agosto de 2007

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