sábado, setembro 01, 2007

Platão Revisitado

A identificação inicial da política encerrava um carácter virtuoso da mesma, com a sua contribuição em busca da perfeição humana. As primeiras ideias veiculadas neste sentido remontam à Grécia antiga, encontrando em Platão principal defesa desse estatuto maior para a actividade política. Platão defendia que a estrutura da vida social em Atenas proporcionava a elevação do Homem pela sua bondade, duvidando que o mundo pudesse “produzir um homem que fosse tão independente e dotado de uma versatilidade tão grande como o ateniense”.

Contudo, tal como Platão constatou, a corrupção política era, também, uma realidade, o que lhe motivou uma crítica feroz. Uma das mais famosas obras de Platão é o diálogo com Górgias, figura que representava uma das classes emergentes da altura, os sofistas. Estes orgulhavam-se de transmitir opiniões de natureza geral, não especializada, àqueles que desejavam deixar a sua marca na vida pública da Polis. Para Górgias é impossível saber o que existe verdadeiramente e o que não existe: é tudo uma questão de retórica. Os sofistas e os demagogos seriam, para Platão, as classes criticáveis da política e que lhe retiravam a sublimação de uma arte maior.

Um dos principais assuntos da presente semana foi a visita do Ministro Correia de Campos a Aveiro. Depois da assinatura de protocolos para vários encerramentos, Correia de Campos decidiu-se a dissertar sobre os problemas do Hospital Infante D. Pedro em Aveiro. Foi interessante perceber que motivos o Ministro encontrou para um desempenho menos positivo do referido Hospital: é um problema de “auto-estima” e dos “predadores” privados que se alimentam da caça já moribunda. Aí está um belo discurso! De uma só penada se dá uma imagem de dinamismo e uma mensagem positiva de justiça social! Nada mais enganador…

A auto-estima, como a ministerial opinião evoca, anda pelas ruas da amargura. Este não é, infelizmente, um cenário vivido apenas pelos cagaréus, mas por todos aqueles que sentem na pele o desmantelar de um Sistema Nacional de Saúde. A política devastadora do governo Sócrates tem deixado um rasto de encerramentos por onde passa. Ainda esta semana, no nosso distrito, deixou marcas em Ovar, Estarreja e Oliveira de Azeméis. É este o desânimo que o Ministro constata, mas que finge não conhecer as origens. É com este discurso que tenta lavar as mãos, mas não o deixaremos.

São as lágrimas de crocodilo que o Ministro chora em nome de uma pretensa justiça social que os portugueses abominam. Não esquecemos quem, em nome de um certo comedimento, criou uma taxa para moderação dos internamentos e cirurgias. Sabemos bem quem rejeitou a proposta do Bloco de Esquerda para a dispensa de medicamentos nas farmácias hospitalares a doentes de ambulatório, consultas externas e urgências. Não ignoramos os custos crescentes dos Hospitais EPE nos negócios com os privados. Sabemos bem onde se compram os genéricos mais caros da Europa…

É por tudo isto que a pretensa justiça social defendida pelo Ministro Correia de Campos se esgota na retórica populista e não encontra eco nas práticas do governo Sócrates. Pelo contrário, o acesso universal aos cuidados de Saúde previsto na constituição parece uma miragem cada vez mais distante.

A solução para o Hospital Infante D. Pedro passa pela sua modernização. É uma infra-estrutura criada há mais de 30 anos que já procura sucessor. Houvesse um europeu de Hospitais e esta seria uma obra prontamente realizada… Mas é preciso mais, para Aveiro e para o País. O acesso a cuidados universais de Saúde com qualidade deveria tornar-se um desígnio nacional, ocupando o lugar desta demagogia propagandística que, selvaticamente, delapida o SNS.

Imagino o que diria Platão destes políticos que nos governam… Tão longe as ideias de virtude e elevação humana…


Artigo Publicado no Diário de Aveiro de 27 de Julho de 2007

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